
Sempre é a alma toda que dirige o que não tem alma e, percorrendo a totalidade do universo atrás do cortejo dos deuses, assume formas diferentes, de acordo com os lugares. Quando é perfeita e alada, caminha nas alturas e governa o mundo em universal. Vindo a perder as asas, é arrastada até bater nalguma coisa sólida, onde fixa moradia.
A virtude natural das asas consiste em levar o que é pesado para as alturas onde habita a geração dos deuses, sendo ela, de tudo o que se relaciona com o corpo, o que em mais alto grau participa do divino. Ora, o divino é belo, sábio, bom e tudo o mais do mesmo gênero, pois é isso o que alimenta e faz crescer as asas da alma, ao passo que o feio, o mal e tudo o mais que se opõe àquelas qualidades a fazem murchar e perecer.
Das almas dos homens, a que melhor se esforça por acompanhar os deuses e com eles parecer-se, eleva a cabeça do cocheiro para o outro lado do céu e se deixa arrastar pelo movimento circular; porém, perturbada pelos cavalos, mal pode contemplar as essências. A segunda melhor, ora se ergue ora se abaixa mas, sempre atarefada com os cavalos, percebe umas tantas essências e deixa passar outras. As demais almas também desejam ardentemente alcançar a parte superior e se afanam nesse sentido; porém, não sendo suficientemente fortes, caem para a parte inferior da abóbada, amontoam-se, machucam-se, procurando cada uma passar à frente da vizinha. A confusão é enorme: há luta e o suor escorre em quantidade e, por falta de perícia dos cocheiros, muitas almas ficam estropiadas e chegam a perder parte das asas.
Depois deste trabalho insano, todas voltam sem terem conseguido contemplar a essências das coisas e, uma vez daí afastadas, alimentam-se apenas de dúvidas e conjecturas. A razão de tamanho empenho de contemplar a Planície da Verdade está no fato de nascer justamente naquele prado o alimento adequado para a porção mais nobre da alma e de nutrir com isso a natureza das asas que confere à alma mais leveza.
Quando, à vista da beleza terrena e, despertada a lembrança da verdadeira beleza, a alma readquire asas e, novamente alada, debalde tenta voar, e à maneira dos pássaros dirige o olhar para o céu, sem atentar absolutamente nas coisas cá de baixo, é açoitada por delírios. Porém o que eu digo é que essa é a melhor modalidade de possessão, a de mais nobre origem, tanto em quem se manifesta como em quem dele a recebeu. O indivíduo atacado de semelhante delírio, sempre que apaixonado por coisas belas, é denominado amante.
Porém, mesmo quem não foi iniciado de pouco ou já se corrompeu, ainda assim conseguirá alçar-se até a Beleza Absoluta, sempre que contemplar aqui em baixo alguma imagem com o seu nome. Porém, ao vislumbrá-la é acometido de todo o cortejo de calafrios: muda de cor, transpira e sente um calor inusitado. E por apenas receber por intermédio dos olhos eflúvios da Beleza, irrigam-se-lhe as asas, e ele volta a inflamar-se. Com o aquecimento, derrete-se o invólucro que continha os germes das asas que, endurecido há muito pela secura, os impedia de brotar. Com o afluxo desse alimento, intumesce a haste da asa, que tende a lançar raízes por todo o interior da alma.
Então, tudo na alma é ebulição é efervescência, sentindo ela mal-estar, tal quando nascem os dentes. É o que se passa na alma, quando as asas começam a criar penugem: em toda aquela efervescência, tem a impressão estranha de prurido, quando lhe nascem as asas. Assim, ao contemplar a beleza do amado, que emite partículas para o seu lado em moção irresistível – daí o nome emoção – e as recebe em seu íntimo, estas a banham e a aquecem, a dor pára e ela se alegra. Porém, quando fica separado do seu amado, perde-se sua umidade, contraem-se os poros por onde saem as asas, que se ressecam, interceptando desse modo a passagem do germe das asas. Fechado, assim, em companhia do desejo, pulsa o germe como o faz o sangue nas artérias e bica o ponto de saída para ele destinado, de forma que a alma, aguilhoada por todos os lados, fica desesperada de dor. Porém, só em lembrar-se da beleza, volta a rejubilar-se.
Essa mistura sui generis de prazer e de dor deixa a alma angustiada e perplexa ante a estranheza de sua condição. Tomada de frenesi, nem consegue dormir de noite nem descansar de dia, procurando sempre, ansiosa, os pontos em que presume encontrar seu amado, o dono da beleza. Ao percebê-lo, aspirando o desejo em largos haustos, abre-se o que antes estava obstruído e, tomando novamente o fôlego, deixa de sentir as agulhadas e as dores, passando, daí em diante, a fruir do mais delicioso prazer.
Essa a razão de, por nada deste mundo, resolver-se abrir mão do seu amado e de não lhe haver nada de comparável: mãe, irmãos, amigos – esquece-se de todos e, se vier a perder o patrimônio, pouco se importará. A correção e as boas maneiras, com cuja observância tanto caprichava, de todo agora as despreza, só disposto a servir e a dormir onde lhe for permitido, porém sempre o mais perto possível do objeto de suas cogitações. Pois, além de venerar o possuidor de tal beleza, encontra nele o único médico para a cura de seu sofrimento.
Esse estado – belo menino a quem me dirijo neste momento – é o que os homens denominam Amor.
Depois deste trabalho insano, todas voltam sem terem conseguido contemplar a essências das coisas e, uma vez daí afastadas, alimentam-se apenas de dúvidas e conjecturas. A razão de tamanho empenho de contemplar a Planície da Verdade está no fato de nascer justamente naquele prado o alimento adequado para a porção mais nobre da alma e de nutrir com isso a natureza das asas que confere à alma mais leveza.
Quando, à vista da beleza terrena e, despertada a lembrança da verdadeira beleza, a alma readquire asas e, novamente alada, debalde tenta voar, e à maneira dos pássaros dirige o olhar para o céu, sem atentar absolutamente nas coisas cá de baixo, é açoitada por delírios. Porém o que eu digo é que essa é a melhor modalidade de possessão, a de mais nobre origem, tanto em quem se manifesta como em quem dele a recebeu. O indivíduo atacado de semelhante delírio, sempre que apaixonado por coisas belas, é denominado amante.
Porém, mesmo quem não foi iniciado de pouco ou já se corrompeu, ainda assim conseguirá alçar-se até a Beleza Absoluta, sempre que contemplar aqui em baixo alguma imagem com o seu nome. Porém, ao vislumbrá-la é acometido de todo o cortejo de calafrios: muda de cor, transpira e sente um calor inusitado. E por apenas receber por intermédio dos olhos eflúvios da Beleza, irrigam-se-lhe as asas, e ele volta a inflamar-se. Com o aquecimento, derrete-se o invólucro que continha os germes das asas que, endurecido há muito pela secura, os impedia de brotar. Com o afluxo desse alimento, intumesce a haste da asa, que tende a lançar raízes por todo o interior da alma.
Então, tudo na alma é ebulição é efervescência, sentindo ela mal-estar, tal quando nascem os dentes. É o que se passa na alma, quando as asas começam a criar penugem: em toda aquela efervescência, tem a impressão estranha de prurido, quando lhe nascem as asas. Assim, ao contemplar a beleza do amado, que emite partículas para o seu lado em moção irresistível – daí o nome emoção – e as recebe em seu íntimo, estas a banham e a aquecem, a dor pára e ela se alegra. Porém, quando fica separado do seu amado, perde-se sua umidade, contraem-se os poros por onde saem as asas, que se ressecam, interceptando desse modo a passagem do germe das asas. Fechado, assim, em companhia do desejo, pulsa o germe como o faz o sangue nas artérias e bica o ponto de saída para ele destinado, de forma que a alma, aguilhoada por todos os lados, fica desesperada de dor. Porém, só em lembrar-se da beleza, volta a rejubilar-se.
Essa mistura sui generis de prazer e de dor deixa a alma angustiada e perplexa ante a estranheza de sua condição. Tomada de frenesi, nem consegue dormir de noite nem descansar de dia, procurando sempre, ansiosa, os pontos em que presume encontrar seu amado, o dono da beleza. Ao percebê-lo, aspirando o desejo em largos haustos, abre-se o que antes estava obstruído e, tomando novamente o fôlego, deixa de sentir as agulhadas e as dores, passando, daí em diante, a fruir do mais delicioso prazer.
Essa a razão de, por nada deste mundo, resolver-se abrir mão do seu amado e de não lhe haver nada de comparável: mãe, irmãos, amigos – esquece-se de todos e, se vier a perder o patrimônio, pouco se importará. A correção e as boas maneiras, com cuja observância tanto caprichava, de todo agora as despreza, só disposto a servir e a dormir onde lhe for permitido, porém sempre o mais perto possível do objeto de suas cogitações. Pois, além de venerar o possuidor de tal beleza, encontra nele o único médico para a cura de seu sofrimento.
Esse estado – belo menino a quem me dirijo neste momento – é o que os homens denominam Amor.
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