segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

EFEMÉRIDES 1



O sol está lindo, o meu bálsamo viceja de tanta clorofila e com o advento do eclipse o céu adquiriu aquela espessura que lhe dá a realidade devida:profundidade e espanto. No entanto, tenho sido perseguido pela tia Angústia. Eu, que sempre fora sobrinho do Desespero, agora me vejo invadido por este sentimento novo, a angústia.

Será o amor? pensei. Afinal, sempre há durante o ato amoroso o reconhecimento de um certo egoísmo natural, de uma certa fronteira cuja travessia, se não é impossível, é movediça. Será a carreira? Afinal, os resultados são sempre tão medíocres que acabo me perguntando sobre o esforço despendido, sobre os resultados deste esforço que se esboroam como cimento e pó - que queimam.

Não sei, não sei. Só sei que resolvi decretar oficialmente um luto, aquele balanceamento de contas que, afinal, um dia todos deveremos fazer - mas que sempre adiamos. E, se não for este balanceamento de contas o que estou vivendo agora, que seja pelo menos uma espécie de introspecção, de mergulho necessário e dolorido que, afinal e ao cabo, te joga renovado sobre a vida, essa imensa praia. Que seja pelo menos isto, então.

Tenho descoberto algumas coisas nesta ilha tropical em que estou vivendo e em que sou o meu amigo mais íntimo.Primeiramente, o mais fundamental: de que não tenho talento nenhum para viver, para fruir do tempo - como diria um bom filósofo. Sempre fui tão ocupado com o ser e em tentar ser que me afixei neste verbo como uma serpente, me esquecendo absolutamente como é que se faz para estar. Sim, estar.

Você já esteve? Eu, por exemplo, nunca estive, ou melhor, raramente estive - e quando percebi que estava, deixei imediatamente de estar. Estar é terrível. Exige constantemente que você seja só sensação, quase burro. Que se seja epitelial, pensamento turvo. Mas eu me acostumei com meu crânio.

E é daí que descobri outra coisa fundamental, a segunda coisa: que pensar, ler e escrever é uma maneira de driblar a efemeridade do que vive sob a égide do tempo. Ler eterniza. Viver temporiza - e eu não sei viver. Desfrutar da passagem do tempo. Sou absolutamente incapaz disso, e procuro alguma  forma de eternidade nesta paragem do tempo que, em suma, é a literatura, a filosofia e a astrologia. Crê nisso, que a literatura, a filosofia e a astrologia constituem uma razão para o espírito, uma razão que dá um sentido maior à efemeridade das coisas? Não crê nisto? Não?

Eu creio.

2 comentários:

🌎 disse...

Estou lendo Knulp, de Herman Hesse, muito me impressionou que ele próprio diante da inutilidade de sua vida, tenha pesado todos os dons que Deus lhe dera, todos os talentos que Deus lhe dera e com os quais nada fizera, Deus lhe perdoaria? A angústia ainda é uma chance que nos é dada, NÃO TOME FLUOXETINA e nem RIVOTRIL, muito menos afogue-se em prazeres simples, eles são o último refúgio do complexo.
Beijos e junte-se aos bons.

Cristina de Amorim Machado disse...

Fala, Edil!
Ser ou estar, eis a questão. :-)
Mas olha, acho que essa angústia é justamente a filha da morte, da tomada de consciência de que tudo passa (como já dizia titio Heráclito), inclusive a gente, e que talvez, na verdade, nada seja, e sim esteja... é o devir...
Concordo que a literatura, a filosofia e a astrologia parem o tempo, daí a sensação de oásis (portanto de fruição, ou seja, você não é incapaz disso), mas discordo que isso se oponha à vida. Ler não é oposto a viver. Ao contrário. Viver é isso, é tentar driblar a morte, negociar com ela (como em Bergman ou Mann). Quer sentido maior que este?
Beijo grande,
Cristina